quarta-feira, outubro 29, 2008

ELEGIA/ACC



Não,
Ana, nem
vem que não
tem: que
há para celebrar?
Teu salto
descalço na piscina
vazia?
As vinte e poucas
edições de tuas
obras
incompletas?

Os poemas
em
tua homenagem,
as mil e
uma teses de mestrado
calcadas
nas entrelinhas
do teu
desespero?

Não, Ana. Esqueça.
Sabe das novas? Armando
vai bem, Eudoro
também, Angela lhe quer
bem, mandou
um beijo
inclusive -
disse que lamenta,
infelizmente

não
pretende
comparecer ao
enterro
de tua última quimera.
Isso é meio
cruel.
E daí? Foda-se,
Ana C.,

você exaspera
qualquer um
com dúvidas, dívidas
filhos e culhões
com esses ares
de sereia pré-rafaelita
perdida
no Baixo Gávea -
tanto
tesão, meu deus

tanto ardor e
catecismo sex drugs
and rock'n'roll
pra quê
caralho! - tudo
se esvai
num brinde inútil
ao Vazio.
Você não merece nem
um poema frio.
Nem flores de outubro
a teus pés.

Tudo bem, deixa
quieto. Mantenha contato,
o povo daqui
ainda gosta muito
de ti.
Vê se muda de ares -
abraço,

Leo

De Chirico + Yves Bonnefoy = ?




VERO NOME

Yves Bonnefoy (Tradução de Lenilde Freitas)

Chamarei deserto a este castelo que tu foste,
Noite à tua voz, ausência à tua face,
E quando caíres sobre a terra estéril,
Chamarei nada ao raio que te trouxe.

Morrer é um país que tu amavas. E eu venho
Eternamente por teus sombrios caminhos.
Destruo teu desejo, tua forma, tua memória,
Sou teu inimigo que não terá piedade.

Chamar-te-ei guerra e sobre ti
Tomarei as liberdades da guerra. Terei então
Em minhas mãos o teu rosto, obscuro e trespassado,
E em meu coração o país que acende a tempestade.

Da crepitação noturna de uma terra supliciada,
Necessita a luz para surgir
E é de bosques tenebrosos que a flama salta.
O próprio verbo sonha a essência,
Uma plácida margem além do canto.

Para que vivas, precisarás transpor a morte.
A mais imácula presença é um sangue entornado.

terça-feira, outubro 28, 2008

Help me Gelman...



Sim, este é muito bom... Mas há aquele também,"Fotografias":

Vendo em velhas fotos meu rosto onde não estás,
a face em que estás como dor, esquecimento,
penso em que estarão fazendo na China agora
com tanta tristeza como a que caía em mim,
ou crescerá como outro outono humano
cheio de ouros, de doçura,
como um fogo no meio como teu nome, ou seja
crepitarás ente os lótus de Hangchaw debaixo de outubro
como quando encontrei a justiça no mundo
e era como teu rosto,
melhor dizendo: te amo.


Sim, há estes poemas de Juan Gelman, há noites e dias sucedendo-se sem o menor sentido aparente, e amigos telefonando e mandando convites para festas e lançamentos literários tão inúteis e desinteressantes como desfechos desagradáveis para histórias inacreditáveis...

Sim, preciso ler um pouco mais de Nietzsche, Oswald, Gracián (A Arte da prudência), aprender a desidealizar o futuro e as pessoas, desconfiar dos momentos de felicidade sempre reversíveis em mágoa, dor física e insultos tragicômicos.

Preciso aprender a calar-me, esquecer, esperar.

domingo, outubro 26, 2008

Dez coisas que valeriam a pena...


1. Uma adaptação do romance Breakfast of Champions de Kurt Vonnegut produzida e dirigida pelos irmãos Cohen
2. Um show da última turnê do The Who na Apoteose, com ingressos a 60 reais no máximo
3. Traduções brasileiras para Dear Mr. Capote de Gordon Lish, Plume de Henri Michaux e a poesia completa de Frank O'Hara
4. Um novo patrocínio (ou pelo menos uma zaga) à altura da nação cruzmaltina
5. Crianças e adolescentes estudando e se divertindo o dia inteiro na escola, temporariamente libertas das neuroses e crueldades familiares
6. Mais padarias 24h espalhadas pela cidade (sobretudo nas zonas norte e oeste)
7. A condenação legal do amantes compulsivos da mentira, da inconstância e do sadismo emocional
8. A canonização de um homem negro
9. A reeedição das obras reunidas de Marques Rebelo, Samuel Rawet e Luiz Vilela
10. Ter o poder efetivo de esquecer qualquer coisa num estalar de dedos.

quinta-feira, outubro 23, 2008

ELEGIA/JC (para Luiz Carlos Lima)




Um canário canta,
meu amigo ronca - e o
cronópio portenho
sussurra:

“Quisiera ser
tu Virgílio – pero
nada te puedo decir sino que
la Humana Comedia
es asi como un ronco dulce,


um assovio estrídulo –
esse vídeo tão
pouco real,
essa noite tampouco

(a não ser pelo sono adiado)

mas teu cérebro
canta, sem
fome nem método,
teu fôlego trôpego
avança

sobre a página branca
do dia, e a voz sem corpo
está morta há
duas décadas (como
aquela feroz, de um beatle

talvez) contudo quiseste
ouvir-me – entonces
insista, carajo -
desfira tua malícia
de crítico falido em mim,

esqueça a voz
da amante histérica
(não pode ser pior
que o canário e o amigo)

- lembra: esta fita não vale
uma úlcera! –

e assim
bradava o cronópio,
enquanto meu
ânimo ia entre
doses de aguardente

e os soluços
de Bruno, o ronco
de Sandro,
os trabalhos e os dias.

domingo, outubro 19, 2008

Duas epígrafes de Samuel Rawet


- Merda! Aqui não há uma explosão metafísica, sem uma outra, psicopatológica!
("O Terreno de uma polegada quadrada")

Um profundo desinteresse por tudo aquilo lhe veio da súbita noção das infinitas possibilidades da estupidez, e uma outra confusa, a de que podia continuar só. Aceitava o Mal.
("Sob um belo céu de Maio")



Neste exílio voluntário e tedioso em que me encontro, morando e trabalhando num famoso balneário petrolífero, aproveito o tempo livre para fazer o que parecia impossível em meio à complacente zorra carioca: escrever uma novela. Alguma coisa entre setenta poucas páginas e duas epígrafes colhidas durante a leitura sempre surpreendente de Samuel Rawet - um dos maiores escritores que esse país já teve, autor de títulos seminais como Os Sete Sonhos (1968) e O Terreno de Uma Polegada Quadrada (1969). Rawet morreu em Brasília, provavelmente louco e na miséria, completamente esquecido pelo público e pela crítica, em 1984.

Ainda não decidi se utilizarei ambos os trechos ou se escolherei apenas um. Aceito sugestões neste blog até o próximo post. Enquanto não termino minha primeira incursão pelos meandros da prosa poética, prossigo e recomendo a devoração dos contos, ensaios e peças teatrais deste grande escritor judeu polonês, outro entre tantos que tiveram a sina comumente reservada aos gênios dissidentes num país onde - como dizia Drummond - é proibido sonhar.

Para maiores informações sobre a vida e a obra de Rawet: www.estudosjudaicos.blogspot.com.

sábado, outubro 18, 2008

O pior cego é aquele que não quer ouvir



Zeus me ajude, mas como é difícil ser compreendido nesse mundinho de meu bem... Também, meu caro Pataca, precisava ser poeta, professor, anarco-socialista, bipolar e vascaíno, tudo ao mesmo tempo, numa mesma encarnação? É demais para um só um homem.

Só um desabafo, amigos, passou. Amanhã volto a escrever sobre coisas úteis e instrutivas. Um bom fim de semana pra quem fica. E antes que me esqueça, um lema pra campanha do Gabeira: "Sem medo de ser infeliz". Afinal, votar sem ilusões é preciso.

segunda-feira, outubro 13, 2008

A esperança é a última que morde (Cortázar/Keats - parte 1)
































"Mi queridísima niña:

Me he puesto a pasar en limpio algunos versos, pero no me da ningún gusto trabajar. Tengo que escribirte una o dos líneas y ver si eso me ayuda a alejarte de mi espiritu aunque sea por unos instantes, no puedo existir sin ti. Todo lo olvido salvo la idea de volver a verte. Mi vida parece detenerse ahi: más allá no veo nada. Me has absorbido. En este mismo momento tengo la sensación de estar disolviéndome...Si no tuviera la esperanza de verte pronto me sentiría en el colmo de la desdicha. Tendría miedo de separarme, de estar demasiado lejos de ti. Mi dulce Fanny, no cambiará nunca tu corazón?, Amor mío, no cambiarás? Alguna vez me asombró que los hombres pudieran ir al martirio por su religión. Temblaba de pensarlo. Ahora ya no tiemblo; podría ir al martirio por mi religión- El amor es mi religión-, y podría morir por él....Me has cautivado con un poder que soy incapaz de resistir; y sin embargo lo era hasta que te ví; y desde que te he visto me he esforzado a menudo en razonar contra las razones de mi amor. Ya no puedo hacerlo, el dolor sería demasiado grande. Mi amor es egoísta. No puedo respirar sin ti...." (carta de John Keats a Fanny Browne, 13/10/1819)




Sim, amigos, apesar dos pesares não posso negar, sou mesmo um cândido e romântico otimista: acredito na vitória final do socialismo utópico, na descoberta de novas possibilidades tecnológicas a serviço da humanidade, no contato pacífico com seres de outros planetas, no restabelecimento do ecossistema planetário, na permanência do Vasco da Gama na primeira divisão do Brasileiro, no sorteio do meu número de PIC um dia antes do Natal, na conclusão de minha tese de doutorado até o ano que vem...

Tudo isso veio à tona ontem, em meio à leitura do esplêndido estudo de Julio Cortázar sobre a obra de um dos maiores poetas ingleses de todos os tempos. Quando escreveu as seiscentas e tantas páginas de Imagen de John Keats , Cortázar tinha a mesma idade de seu ídolo ao morrer: ou seja, 26 anos (!). O fato parece guardar alguma pista sobre a obsessão do jovem Julio pela obra do autor da clássica "Ode to a Grecian Urn". Não resisto a citá-la na íntegra - apenas pelo simples prazer de relê-la na magistral tradução de Augusto de Campos(ok, puristas e sabichões, o original segue abaixo)


ODE SOBRE UMA URNA GREGA


I

Inviolada noiva de quietude e paz,
Filha do tempo lento e da muda harmonia,
Silvestre historiadora que em silêncio dás
Uma lição floral mais doce que a poesia:
Que lenda flor-franjada envolve tua imagem
De homens ou divindades, para sempre errantes.
Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo?
Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes?
Que louca fuga? Que perseguição sem termo?
Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem?


II

A música seduz. Mas ainda é mais cara
Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom;
Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara,
O supremo saber da música sem som:
Jovem cantor, não há como parar a dança,
A flor não murcha, a árvore não se desnuda;
Amante afoito, se o teu beijo não alcança
A amada meta, não sou eu quem te lamente:
Se não chegas ao fim, ela também não muda,
É sempre jovem e a amarás eternamente.


III

Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor
Das folhas e não teme a fuga da estação;
Ah! feliz melodista, pródigo cantor
Capaz de renovar para sempre a canção;
Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante!
Para sempre a querer fruir, em pleno hausto,
Para sempre a estuar de vida palpitante,
Acima da paixão humana e sua lida
Que deixa o coração desconsolado e exausto,
A fronte incendiada e língua ressequida.


IV

Quem são esses chegando para o sacrifício?
Para que verde altar o sacerdote impele
A rês a caminhar para o solene ofício,
De grinalda vestida a cetinosa pele?
Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente
Ou no alto da colina foi despovoar
Nesta manhã de sol a piedosa gente?
Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe
Em tuas ruas, e ninguém virá contar
Por que razão estás abandonada e triste.


V

Ática forma! Altivo porte! em tua trama
Homens de mármore e mulheres emolduras
Como galhos de floresta e palmilhada grama:
Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas
Tal como a eternidade: Fria Pastoral!
Quando a idade apagar toda a atual grandeza,
Tu ficarás, em meio às dores dos demais,
Amiga, a redizer o dístico imortal:
"A beleza é a verdade, a verdade a beleza"
— É tudo o que há para saber, e nada mais.



ODE ON A GRECIAN URN

I

Thou still unravish’d bride of quietness,
Thou foster-child of silence and slow time,
Sylvan historian, who canst thus express
A flowery tale more sweetly than our rhyme:
What leaf-fring’d legend haunts about thy shape
Of deities or mortals, or of both,
In Tempe or the dales of Arcady?
What men or gods are these? What maidens loth?
What mad pursuit? What struggle to escape?
What pipes and timbrels? What wild ecstasy?


II

Heard melodies are sweet, but those unheard
Are sweeter; therefore, ye soft pipes, play on;
Not to the sensual ear, but, more endear'd,
Pipe to the spirit ditties of no tone:
Fair youth, beneath the trees, thou canst not leave
Thy song, nor ever can those trees be bare;
Bold lover, never, never canst thou kiss
Though winning near the goal — yet, do not grieve;
She cannot fade, though thou hast not thy bliss,
For ever wilt thou love, and she be fair!


III

Ah, happy, happy boughs! that cannot shed
Your leaves, nor ever bid the Spring adieu;
And, happy melodist, unwearied,
For ever piping songs for ever new;
More happy love! more happy, happy love!
For ever warm and still to be enjoy’d,
For ever panting, and for ever young;
All breathing human passion far above,
That leaves a heart high-sorrowful and cloy’d,
A burning forehead, and a parching tongue.


IV

Who are these coming to the sacrifice?
To what green altar, O mysterious priest,
Lead’st thou that heifer lowing at the skies,
And all her silken flanks with garlands drest?
What little town by river or sea shore,
Or mountain-built with peaceful citadel,
Is emptied of this folk, this pious morn?
And, little town, thy streets for evermore
Will silent be; and not a soul to tell
Why thou art desolate, can e’er return.


V

O Attic shape! Fair attitude! with brede
Of marble men and maidens overwrought,
With forest branches and the trodden weed;
Thou, silent form, dost tease us out of thought
As doth eternity: Cold Pastoral!
When old age shall this generation waste,
Thou shalt remain, in midst of other woe
Than ours, a friend to man, to whom thou say’st,
«Beauty is truth, truth beauty,» — that is all
Ye know on earth, and all ye need to know.
(Publicado em 1820)


Eis aí um poema que muitos poetas e especialistas têm vontade de recitar de joelhos. Cortázar certamente não o faria - ciente de que a grande poesia keatsiana é, como a de Rimbaud, um chamado à fruição plena da vida, e não um louvor à metafísica do estético, como quereriam alguns. O que importa à beleza é o aqui e agora da verdade - esteja ela onde estiver, na contemplação da urna grega ou no canto de um simples rouxinol.

***

Apesar de sua extensão assombrosa, Imagen de John Keats está longe de constituir uma tese acadêmica - o que deve ter pesado na decisão do British Council em não aceitá-lo para publicação - talvez pelo fato de ser muito mais um diálogo entre gênios do que um tributo oficial.

***

Uma coincidência atroz: a carta de John Keats a Fanny Browne foi escrita no dia 13 de outubro de 1819. Ou seja, há exatos 189 anos... Será este um dia propício a desesperos amorosos? Ainda por cima, logo após o feriado de Nossa Senhora Aparecida e o dia das crianças! O que Cortázar teria a dizer sobre o assunto, ele mesmo um aficcionado de fenômenos similares?
(continua na próxima semana)

domingo, outubro 05, 2008

Existe morte após a morte?


A pergunta, aparentemente insana, me ocorreu enquanto assistia a um desses documentários de tv a cabo, no qual um distinto cientista revelava sua experiência pessoal no limiar da vida. Como atestam tantos depoimentos similares, parece que existe mesmo um túnel de luz, uma espécie de passagem cósmica, onde moribundos terminais são intimados a decidir se querem retornar aos seus respectivos corpos ou entrar de vez no mundo espiritual.
Quem volta nunca mais vê a vida do mesmo jeito. Em geral reconhecem o ocorrido como um sinal milagroso da existência de Deus: a voz austera e serena que dizem ter escutado seria Dele, ou de alguém de Sua confiança - um santo, um anjo talvez. Dali em diante, o sobrevivente fica tão agradecido pela segunda chance que passa a colaborar com estudiosos do assunto: médiuns, parapsicólogos, publicitários do além e da tese reencarnatória...

Tudo isso já virou clichê. Pensando em renovar o debate, comecei a buscar uma pegunta realmente nova. Pela lógica do argumento espírita, a morte não passa de uma passagem: o único estado possível seria a vida, eternamente mutável e desdobrada. Mas se a morte é um instante entre duas formas de vida, então existem diversas e variadas mortes no caminho de qualquer vivente. Como a distância entre dois pontos pode ser considerada infinita, a morte é infinitamente pontuada ao longo dos caminhos espirituais. Portanto, ultrapassa a idéia de mera passagem: não apenas demarcando as fases do processo vital evolutivo, mas sobretudo afirmando que algo de insondável e duradouro permeia o que insistimos em dividir em três termos - princípio, meio e fim.

Sim, existe morte após a morte. Que o "não" tenha vencido a enquete, acho normal...

Enfim, agradeço aos votantes e me despeço por hoje. Preciso cuidar de renascer uma vez mais. Aliás, como qualquer pessoa viva ou morta.